sexta-feira, 11 de março de 2011

O cisne negro de cada um

A busca pela perfeição desperta nosso lado mais sombrio

Nina é uma bailarina dedicada que se esforça além da conta para atingir a perfeição técnica. Em uma das cenas, o diretor da companhia diz que ela é tecnicamente perfeita, mas incapaz de sentir. Tinha técnica e nenhuma vida. A primeira lição de casa que dá à moça é masturbação. Outra bailarina, que Nina passa a enxergar como rival em seus delírios persecutórios, é o oposto: está longe de ser tecnicamente perfeita. Mas quando dança, sente.

O maior desafio de Nina é interpretar os dois cisnes - o branco e o negro - no clássico O Lago dos Cisnes. Esse é também o pesadelo do diretor. Nina é um primor como o cisne branco, mas não convence na pele do cisne negro. O papel que a bailarina precisa desempenhar toma conta de sua vida. O espectador assiste, aos sobressaltos, a transformação da moça doce, pura e inocente numa pessoa descontrolada, agressiva, ensandecida.

Cisne Negro não é uma fábula estapafúrdia. Ele nos toca justamente porque é verossímil. Ninguém precisa ser uma bailarina na competitiva batalha pelo melhor papel para despencar naquele abismo. O filme é quase um aviso: “Ei, todos nós somos cisnes brancos e negros”. A linha que separa os dois é tênue e fluida.

Nina não parece ser psicopata - aquele tipo de pessoa perversa, desprovida de culpa e capaz de passar por cima de qualquer ser humano para satisfazer os próprios interesses. Para gente assim não existe cura. Só cadeia.

A bailarina me fez lembrar de quem sofre de algo mais frequente: o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Para muita gente, TOC é a doença de quem pratica atos repetitivos como checar sete vezes se a torneira está fechada antes de sair de casa. Não é só isso. O distúrbio tem diferentes nuances e gradientes. No convívio social, pode passar despercebido. Um colega de escola, de trabalho, um amigo querido, a mulher, o marido pode estar passando por isso agora mesmo sem que você se dê conta.

“O perfeccionismo é muito característico desse tipo de transtorno”, diz a psicóloga Patricia Vieira Spada, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Tudo tem que estar no lugar porque a pessoa não suporta lidar com as surpresas da vida.”

Como Nina, quem sofre desse transtorno de ansiedade tem preocupações excessivas, desconforto, medo, aflições, depressão. A perfeição é um falso porto seguro. Para não sentir, para não ter afeto, tudo precisa estar sob controle. Ter afeto é lidar com a imprevisibilidade das relações humanas. Ninguém sabe o que vem pela frente. Não ter resposta é dolorido, mas é preciso saber suportar a dúvida.

O desfecho da história da bailarina é clássico. Reprimida pela mãe e por ela mesma, perde o controle sobre a impulsividade. Torna-se um bicho agressivo, psicótico, atormentado por alucinações. “É importante conhecer o cisne negro que existe dentro de cada um de nós”, diz Patricia. “Perigoso é negá-lo.”

Precisamos nos conhecer, entrar em contato com nossa fragilidade. “Beber desesperadamente como tantos jovens fazem é anestesia cerebral. Embriagado, ninguém pode pensar. Isso é investimento constante em cisne negro”, diz Patricia.

A decadência de Nina nos atinge em cheio. Quem não almeja o sucesso? Quem não batalha para chegar o mais próximo possível de um desempenho perfeito? A partir de quando o perfeccionismo se torna patológico? Segundo Patricia, ele é comum em pessoas que se sentem no centro do Universo. O sujeito se acha tão importante, tão único, tão insubstituível que não aceita exercer - seja lá o que for - com exatidão.

Quantas pessoas você conhece que agem exatamente assim? Essa característica pessoal mal administrada passa a ser um problema quando compromete o convívio social ou a saúde - física, mental ou emocional. Nina alcançou aquilo que julgava ser a perfeição. Mas não pôde receber o reconhecimento da plateia.

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

Fonte: REvista Época

5 comentários:

Mikasmi disse...

Uma obceção seja ele de que tipo for é complicada.

O perfeccionismo em termos profissionais está muito em voga, é a competição desenfreada que enlouqece as pessoas.

Unknown disse...

Como todos os dmeais posts este está maravilhoso, me curvo ante seu blog e suas palavras, por isso
tem um selinho pra vc lá no meu blog
Bjos***

sobalela.blogspot.com

Solange Nunes de Souza disse...

Olá.:

Parabéns por sua postagem e blog.

Estou com novo blog, gostaria de contar com sua visita.

Siga também, será um prazer.

Obrigado e Até aproxima.

Abs.
Solange e Alessandro

Blog novo:
http://buildingconectores.blogspot.com/

@DiellyMiranda disse...

Ola!
Hj que vi seu coment no meu vlog www.outralogica.com.br
Mt obg
Tb adorei o cisne negro, engraçado que vc escreveu exatamente no dia do meu niver!
Bjks

Psicanálise todo dia disse...

Sinto Nina, no filme todo, no meio de um abismo, na borda de algo, prestes a cair, tentando se equilibrar mesmo sem condições, numa vida amarga, sem riso, nem criatividade. Até que a pulsão de morte domina... Um excelente filme para pensar sobre nossos limites, partes mortíferas, cisnes negros e brancos...