sábado, 7 de abril de 2007

Antes da liberdade (Nossa Caixa)


A queda das ações da Nossa Caixa antecipa debate sobre as contas-salário

Na manhã da segunda-feira 2, o presidente da Nossa Caixa, Milton Luiz de Melo Santos, promoveu uma concorrida teleconferência, com quase 200 analistas de bancos e corretoras, para tentar convencê-los de que não foi por pressão política que o banco aceitou fechar uma transação de 2,084 bilhões de reais com o governo de São Paulo. A quantia foi paga pela instituição financeira em troca da administração da folha de pagamento do Estado, que tem 1,1 milhão de servidores.Uma semana depois de divulgar o negócio que recheou os cofres do governo, o valor do banco Nossa Caixa, na Bolsa de São Paulo, caiu da casa de 4 bilhões de reais para 3,3 bilhões de reais. Do anúncio da transação, no dia 27 de março, até a conversa com os operadores do mercado, a cotação das ações havia despencado 22,8%. Teria sido uma punição justa a uma empresa de capital misto, com acionistas privados, mas suscetível a decisões de cunho político? Ou trata-se apenas da reação ortodoxa de analistas que erraram, feio, ao supor que as contas dos servidores públicos seriam entregues de bandeja ao banco controlado pelo Estado?
Antes de optar por uma das hipóteses, é preciso voltar à manhã do dia 2. Enquanto Santos dava explicações aos agentes do mercado, nascia a conta-salário, instrumento criado para dar ao trabalhador mais liberdade para escolher em qual banco movimentar os vencimentos. Poucos perceberam a relação entre os dois eventos, mas aí está a gênese da confusão que fez o negócio entre a Nossa Caixa e o governo paulista ser tão mal recebido pelos analistas financeiros.
Quando criou a conta-salário, em setembro de 2006, o Banco Central imaginava que o instrumento pudesse entrar em vigor no início deste ano, para todos os trabalhadores. A medida atrapalhava os planos de governadores recém-eleitos, como o de São Paulo, José Serra, que contavam com o reforço de caixa a ser obtido com a venda da folha de pagamento do Estado. Além disso, no caso paulista, deflagraria uma guerra a céu aberto entre a Nossa Caixa e o Santander, que ainda mantém as contas de 600 mil servidores.
A transferência das contas do funcionalismo do Santander para a Nossa Caixa era esperada desde que o banco espanhol arrematou o Banespa, no leilão de privatização realizado em 20 de novembro de 2000, por 7,05 bilhões de reais, ágio de 281% sobre o preço mínimo. À época, a folha de pagamento do Estado era um ativo com data certa para ser devolvido, 31 de dezembro de 2006. Um decreto do governo estadual, em julho do ano passado, determinou aos funcionários a abertura de novas contas na Nossa Caixa, para facilitar a transição entre os bancos.A criação da conta-salário, nos moldes iniciais, atropelou o processo. “O trabalhador passaria a ter três alternativas: movimentar o dinheiro diretamente na conta-salário, transferir o dinheiro para uma conta normal no próprio banco ou ainda levar a remuneração para outra instituição, sem custo”, resume o superintendente de projetos especiais da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Jorge Higashino. Em outras palavras, o cliente continua obrigado a receber o salário em um determinado banco, mas fica mais fácil tirar o dinheiro de lá.
Ao perceber que a folha de pagamento perderia parte do valor, governadores e prefeitos pressionaram a equipe econômica do presidente Lula. Até que conseguiram um alento: a edição da Resolução 3.424, de 21 de dezembro de 2006. A medida transferiu para 2009 e 2012 o início da vigência da conta-salário para trabalhadores dos setores privado e público, respectivamente.
Uma vez resolvido o problema, Serra finalmente pôde acertar com a Nossa Caixa o valor a ser cobrado pela folha. “Tratava-se de uma transação entre dois entes públicos, daí a dispensa de licitação”, disse a CartaCapital o presidente do banco. “Fechamos o contrato dentro de valores de mercado, algo que não teríamos conseguido se tivéssemos de disputar com bancos privados.”A medida comumente usada para avaliar as transações de folhas de pagamento é o custo do correntista. Por esse critério, a Nossa Caixa desembolsou 1.960 reais para cada cliente que recebeu em troca. O valor ficou alinhado com os pagos nas privatizações do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) e do Banestado, do Paraná. Nas disputas mais recentes, os sinais de que esse mercado está próximo do esgotamento têm inflado os preços. No fim de março, o Santander levou a folha de 7 mil funcionários da prefeitura de Florianópolis por 25,55 milhões de reais, equivalente a 3,7 mil reais por conta.
O economista Alberto Borges Matias, professor da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o resultado da compra da folha de pagamento paulista será positivo para a Nossa Caixa. “A folha de pagamento é algo que tem valor e o governo de São Paulo tinha a obrigação de cobrar por ela”, diz. “O problema é que as ações do banco haviam sido infladas pelas expectativas de que a folha seria repassada de graça.”
O argumento de Matias possibilita entender as reações de analistas, como Daniel Abut, do Citigroup, que incluiu nas análises o custo de oportunidade do negócio fechado pela Nossa Caixa ou o quanto o banco poderia ter ganho ao investir o dinheiro. Para ele, a transação implica um duplo golpe para o faturamento da instituição, que será atingido duas vezes: primeiro, pelo encargo de 417 milhões de reais anuais necessário para amortizar o custo do contrato ao longo de cinco anos e, segundo, pela queda na receita líquida de juros, estimada em cerca de 300 milhões de reais por ano.
O relatório do Citi, publicado na sexta-feira 30, pinta um sombrio cenário para as ações da Nossa Caixa, com projeção de queda de 50% no preço dos papéis ao longo dos próximos 12 meses. Enquanto isso, o presidente do banco trabalha com números bem diferentes. “O Estado vai depositar cerca de 2,3 bilhões de reais todos os meses em contas da Nossa Caixa pelos próximos 60 meses. A expansão da carteira de crédito, neste ano, foi revista e deverá aumentar 40%, em vez dos 35% previstos antes da compra da folha”, diz Santos.
Um grande obstáculo à rentabilidade da operação, porém, continua a ser o Santander, que não se deu por vencido e quer preservar parte da carteira herdada do Banespa. Para segurar as contas dos servidores estaduais, o banco não se limitou a oferecer descontos em tarifas, sorteios e promoções. Entre as táticas menos ortodoxas, está o crédito antecipado de quantias equivalentes à remuneração do servidor. Um incentivo para que o cliente não fique sem dinheiro enquanto faz a transferência do salário depositado pelo governo na Nossa Caixa.
Procurado por CartaCapital, o Santander preferiu não comentar a disputa com a Nossa Caixa, que reage com as ofertas de vantagens para os funcionários públicos nos contratos de crédito com desconto em folha e no financiamento imobiliário. “O Santander está no papel dele, mas vamos contra-atacar”, garante Santos. Disputas como a dos dois bancos tendem a ser cada vez mais comuns a partir da criação da conta-salário. Com uma diferença: a partir de agora, o grande vencedor tende a ser o correntista.

0 comentários: