domingo, 9 de novembro de 2008

Ouvindo de aluguel

Eles nunca estudaram psicologia. Não sabem distinguir as teorias de Freud e Jung. Jamais leram um livro de psicodrama. Mas, vêem seu local de trabalho transformar-se em um divã improvisado.

Salão de cabeleireiro, balcão de sushi-bar, barbearia, cama de prostituta são cenários onde entram em ação os "terapeutas ocasionais". São conselheiros sentimentais ou apenas um ouvido anônimo, acostumados a escutar lamentações, desabafos e (in)confidências dos clientes.

Vale tudo na "consulta": chorar amores perdidos, desesperar de ciúme, falar de traição, sexo, fantasias, desejos proibidos; do marido, dos filhos, do namorado antigo, de amantes. "Essas relações acabam gerando fortes amizades", diz o cabeleireiro Luciano Caçolari, 29.

O que leva alguém a revelar segredos para uma manicure ou um barman, por exemplo? "
As pessoas procuram gente estranha, que seja distante. Assim, podem ser elas mesmas, sem medo de serem julgadas e rotuladas", explica o psicólogo Elias Korn, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Para José Fernando Lomônaco, do Instituto de Psicologia da USP, esse comportamento, mais do que natural, é também benéfico. "Quando você desabafa e coloca os problemas para fora, tem condições de pensar melhor", afirma. "É mais saudável do que não conseguir compartilhar a angústia com ninguém."O mais importante é prestar atenção se o "terapeuta de plantão" é, de fato, confiável. "Dependendo da pessoa, ela pode usar suas confidências contra você, fazendo chantagem e fofoca", alerta Lomônaco.

Apesar do risco, os próprios especialistas acreditam que os profissionais que assumem o papel de psicólogos têm função e valor importantes na sociedade. "Isso permite a democratização do espaço terapêutico", acredita Korn. Nem todos concordam. "A pessoa pode estar transferindo algo que deveria ser tratado com um analista ou terapeuta para outro profissional que não sabe como lidar com o problema. Saber ouvir nem sempre é saber resolver", afirma a psicóloga Marina Pacheco Jordão, 53.

Veja este exemplo no BOTECO:
Muito chope e muitas histórias já rolaram nas mesas de madeira do boteco mais tradicional de São Paulo. Há quatro décadas trabalhando como garçom no Bar do Léo, Luiz de Oliveira, 79, já perdeu a conta de quantas vezes serviu de confidente para os boêmios do lugar.

Além de incontáveis anônimos, diz ter sido conselheiro sentimental de Raul Seixas e Orlando Silva. Ajudou Jânio Quadros a fugir de jornalistas. Limpou a mesa para Sônia Braga e Vera Fischer, ambas engatinhando na carreira ("estão melhores agora").

Luiz aprendeu que garçom tem de ter faro. "Sei quando o cara está triste, feliz ou de saco cheio. Faz parte dessa profissão", analisa. Já em curva descendente e corroído pelo álcool, o roqueiro Raul Seixas tornou-se um de seus "pacientes" mais constantes. "Ele vinha aqui toda tarde. Me dizia que não podia beber e contava como isso o deixava arrasado." Apesar dos apelos do terapeuta de copo, o cantor, invariavelmente, desabava. "Raul me dizia "o chope daqui é bom demais, não dá para não tomar'", lembra.

Orlando Silva foi outro a chorar as mágoas. "Era meu ídolo desde a época da música da "Jardineira'. Sempre me falava de seus problemas com a bebida, e achava que só podia resolvê-los no balcão do bar", revela o garçom. Com o tempo, Silva passou a levar a mulher, Lurdes, ao Léo. "Ela começou a acompanhá-lo constantemente. Isso o curou."


fonte:revista da folha

2 comentários:

João S. Magalhães disse...

Talvez a explicação esteja na falta de amigos em quem confiar ou, então, num impulso de momento. No caso do bar, o álcool pode influir nas confissões. Boa indicação de matéria.

Abraços

João disse...

Sandra,

E este desabafo é tão importante,em especial para aqueles que tem dificuldade em lidar com os seus sentimentos...
Fazê-lo com estranhos ou conhecidos é preciso de facto cuidado,pois não sabemos bem o que eles são,pois guardar segredo não é algo que seja habitual,as pessoas mais cedo ou tarde dirão um pouco do que foi conversado a alguém.

E certas confidencias nem tem uma urgência de serem resolvidas,basta o seu alivio para que a saúde mental reequilibre-se.

Abraço amiga,
joao