terça-feira, 25 de agosto de 2009

30 anos após anistia, canções de exílio sobreviveram ao tempo

Por Luiz Fernando Vianna, na Folha de S.Paulo

A história das canções do exílio feitas no Brasil por causa da ditadura militar começou em 1968 sob uma vaia que o tempo tornou constrangedora. O calor do momento político fez com que a plateia do Maracanãzinho massacrasse "Sabiá", de Tom Jobim e Chico Buarque, para exaltar "Caminhando ("Pra Não Dizer que Não Falei de Flores)", de Geraldo Vandré, no 3º Festival Internacional da Canção.

As circunstâncias impediram que um público de esquerda, num momento de maniqueísmo político, percebesse que Chico estava reinterpretando a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, à luz da ditadura militar. "Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Para o meu lugar", clamava a letra.

Apesar do trauma inicial e do acirramento da repressão, inclusive aos artistas, muito do que se compôs sobre o tema foi permeado de humor.

Esta aparente leveza deu uma contribuição fundamental para que as músicas passassem pela censura e, também, sobrevivessem ao tempo, sem o estigma das canções de protesto tradicionais.

Obrigados em 1969 a trocar o Rio de Janeiro por Londres, Gilberto Gil saiu mandando "Aquele Abraço" -era assim que os soldados de onde esteve preso o saudavam- e Caetano Veloso homenageou sua irmã em "Irene": "Eu quero ir, minha gente/ Eu não sou daqui/ Eu não tenho nada, nada/ Quero ver Irene rir".

Por causa do choro que verteu ao receber a visita de Roberto Carlos em Londres, Caetano ganhou do Rei, em 1971, "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", com muito mais dor do que humor.

Já Chico, quando voltou ao assunto na epistolar "Meu Caro Amigo" (1976), foi para avisar com oblíqua graça ao exilado dramaturgo Augusto Boal, então na França, que a coisa aqui estava "preta".

Se o humor persistiu sob os anos de maior chumbo, não faltaria em 1979, quando a anistia aos exilados se avizinhava. O hino involuntário da campanha -melodia de João Bosco e voz de Elis Regina- foi um suave samba-enredo que começava fantasioso: "Caía a tarde feito um viaduto". Na letra de "O Bêbado e a Equilibrista", Aldir Blanc escreveu "irmão do Henfil" porque não sabia que ele se chamava Herbert de Souza.

Ainda mais leve, o samba "Tô Voltando" (Maurício Tapajós/Paulo César Pinheiro), gravado por Simone, imaginava um homem retornando à sua mulher, à sua casa.
E não foi só na música que vozes que tinham sido caladas voltaram a soar. Livros com memórias sobre os anos no exterior chegaram às listas de mais vendidos. Ler "O que É Isso, Companheiro?" (1979) e "Crepúsculo do Macho" (1980), de Fernando Gabeira, era quase obrigatório.

"Não Verás País Nenhum" (1981), de Ignácio de Loyola Brandão, "Passagem para o Próximo Sonho" (1982), de Herbert Daniel, faziam a ponte entre o país que acabava e o que queria começar.

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