quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Governo não precisa da CPMF

Economia Subterrânea cresceu com o tributo
O governo não precisa, para equilibrar as contas públicas, da prorrogação da vigência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que, pela legislação atual, expira em 31 de dezembro deste ano. Apenas nos primeiros seis meses do ano, a arrecadação de tributos e de outras receitas (inclusive, previdenciárias) cresceu, em termos reais, R$ 26 bilhões, pouco menos do que se recolhe anualmente com a CPMF (R$ 32 bilhões em 2006).
Não há nada que indique que, na segunda metade do ano, a arrecadação vá parar de crescer. O governo chegará tranqüilamente a dezembro com uma receita adicional, no ano, superior ao resultado da CPMF. Levando-se em conta que, nos últimos quatro anos, o Ministério da Fazenda promoveu desonerações tributárias que, no total, somaram renúncia de R$ 30 bilhões, não há mais como justificar a manutenção de um tributo tão perverso para a economia como a CPMF.
Aprovar simplesmente a prorrogação da contribuição é autorizar o governo a continuar aumentando seus gastos. No fundo, é o que tem acontecido. Mais dinheiro no cofre incentiva a criação de mais despesa. Se a receita total cresceu, em termos nominais, 13,15% entre janeiro e junho, a despesa avançou 12,74% no mesmo período, e os dois resultados ficaram bem acima do ritmo de expansão do PIB nominal (9,8%, segundo estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional).
No primeiro semestre, os gastos do governo com pessoal aumentaram 12,77% em relação ao mesmo período do ano passado. Já as despesas com custeio e capital avançaram 12,98%. O aumento da arrecadação está sendo consumido, portanto, pela elevação desses gastos. E o governo ainda foi ao Congresso Nacional para pedir a prorrogação da CPMF por mais quatro anos. Não seria mais lógico cortar gastos e conter sua expansão, livrando a sociedade da cobrança de um tributo anacrônico?
Governos - e este é um mal que não assola apenas a gestão Lula, uma vez que a CPMF foi criada, como imposto, na gestão Itamar Franco (1992-1994) e recriada e prorrogada no governo FHC - adoram tributos como a CPMF. O recolhimento é de baixo custo administrativo para o Fisco. Sua arrecadação cresce ano a ano, de forma ininterrupta - pulou de 0,79% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1997 para 1,38% do PIB em 2006, devendo atingir 1,46% do PIB neste ano, segundo estimativa do economista Amir Khair. Em dez anos de vigência, a contribuição arrancou da sociedade R$ 235,8 bilhões (a preços de 2006).
Quanto maior é o sucesso arrecadador da CPMF, maiores são também as evidências das distorções que ela provoca. Estudo feito pelo economista Pedro H. Albuquerque, citado num trabalho elaborado por Cláudio Adílson, sócio da MCM Consultores Associados, mostra que a contribuição aumenta em cerca de 0,9 ponto percentual a taxa de juros dos títulos públicos, o que, por sua vez, gera despesa adicional com juros, para o Tesouro Nacional, de aproximadamente R$ 9 bilhões.
O tributo também encarece o cheque especial (em 6% ao ano), o hot money (4,7%) e os empréstimos pessoais (3,3%). "Portanto, aumenta a despesa pública, inibe o investimento (maior custo de capital) e desestimula a expansão do crédito (efeitos nocivos sobre a produtividade da economia)", diz Adílson em seu estudo, intitulado "CPMF - O Pior dos Impostos".
Um trabalho de 2004 feito por dois economistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo - Paulo Roberto Arvate e Cláudio de Lucinda - derrubou um dos mitos que cercam a CPMF: o de que o tributo seria um poderoso instrumento de combate à sonegação. A idéia é que, a partir do recolhimento da contribuição, o Fisco tem condições de estimar a renda dos contribuintes e calcular se eles estão honrando adequadamente suas obrigações tributárias. Embora isso seja possível, os números mostram que, na verdade, a criação da CPMF não resultou em maior eficiência no combate à sonegação.
A pesquisa dos dois economistas revela que a chamada Economia Subterrânea (ES) cresceu de forma consistente durante o período em que a CPMF passou a vigorar - pulou de 20% do PIB em 1995/96 para cerca de 39% do PIB em 2002. O aumento da ES gerou perda de receita potencial ("tax-gap", no conceito em inglês) e a CPMF, segundo o estudo, vem aumentando sua participação no "tax-gap" - no início de sua cobrança, respondia por 6,67%, em média, da perda de receita potencial e, em 2002, chegou a 8,74%.
"Há fortes evidências de que a CPMF vem influenciando no crescimento da ES, não o contrário, como se supunha pelos argumentos defendidos por deputados e senadores no momento de sua implementação", concluem os autores do estudo.
A idéia de que a CPMF tributa o setor informal da economia é falsa, na avaliação de Cláudio Adílson. "Ela onera desproporcionalmente o contribuinte honesto, pois, por ser em cascata, incide também sobre os demais impostos. Como os agentes informais não pagam impostos, estes incorrem em um número menor de fatos geradores da CPMF", diz o sócio da MCM. "É mais fácil aos agentes informais evadirem-se do pagamento da CPMF, deixando de utilizar os serviços bancários. Para os formais, a necessidade de utilizar tais serviços é maior", acrescenta o analista, lembrando que é mais fácil para os informais fugir do sistema bancário, portanto, da CPMF, do que de alguns impostos clássicos (IPVA, IPTU etc.).
Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
cristiano.romero@valor.com.br

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