terça-feira, 18 de novembro de 2008

A infame tradição

Vícios políticos ainda permeiam direita e esquerda no Brasil e põem em risco o processo democrático

As fraquezas do sistema político brasileiro não estão nos procedimentos eleitorais. Estes são menos complicados do que os norte-americanos, como provam as últimas eleições lá e aqui. Residem no modo pelo qual as regras -sejam elas meros acordos ou leis promulgadas- são cumpridas. O vício é nacional. Sabemos que existem leis que não pegam. O combate ao alcoolismo é o exemplo mais recente. Foi proibida a venda de álcool na beira das estradas, a última "lei seca" impôs limite praticamente zero ao consumo de bebida pelos motoristas. Ambas foram escandalosamente anunciadas, cumpridas a ferro e fogo por algumas semanas e, depois, como o Estado, felizmente, não tem condições de vigiar, controlar e punir os pormenores do comportamento dos cidadãos, as coisas, infelizmente, resvalam para a situação anterior.

Democracia interna
A atual crise financeira e econômica comprova que os Estados nacionais somente se tornam atores eficazes em suas práticas anticrise se agirem coordenadamente, o que levanta desde logo a questão política do controle popular das instituições internacionais encarregadas de sanar os desregramentos dos mercados. Ora, esse controle implica aprofundar ainda mais a democracia interna. Em primeiro lugar, criar um espaço em que os interesses e as ideologias possam se configurar publicamente, de sorte que a luta política se exerça como jogo de opções particulares diante de alternativas claramente desenhadas. Sob esse aspecto, toda política que dilua essas particularizações se torna extremamente reacionária.

Oposição responsável
Também a oposição não deixa de ter culpa no cartório. A tarefa de se configurar como alternativa ao lulismo cabe ao PSDB. É consenso que José Serra foi o maior beneficiário do último processo eleitoral, mas é preciso que ele não permita a seus aliados levarem de roldão seus adversários -circunstanciais ou não. Do mesmo modo, já que Aécio Neves, apoiado por seu excelente governo de Minas Gerais, legitimamente aspira à Presidência, que ele tenha a cautela de refrear seus aliados, impedindo-os de vir a público fazer denúncias irresponsáveis. Se ambas as partes se lançarem num jogo descomprometido com procedimentos democráticos, o desastre será enorme. Espero de nossas lideranças críticas que sejam capazes de articular um movimento de oposição combatendo essa anomia dos costumes políticos brasileiros, essa irresponsabilidade diante das normas que ameaça o nosso futuro democrático. Antes de tudo é preciso saber que país queremos.
fonte:folha de sao paulo

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