terça-feira, 18 de novembro de 2008

Só chamei porque te amo!

Amor sem pudor
Principal nome da nova geração de escritores norte-americanos, Jonathan Franzen descreve como o uso do celular modificou o espaço público e criou novas formas de sensibilidade

Um dos grandes fatores irritantes da tecnologia moderna é que, quando alguma novidade tecnológica faz minha vida ficar sensivelmente pior e continua a encontrar maneiras novas e diferentes de me causar problemas, sou autorizado a me queixar dela por apenas um ano ou dois, antes que os marqueteiros do "cool" comecem a me mandar parar com isso -vovô, a vida hoje em dia é assim mesmo!Não sou contra as novidades tecnológicas.

A secretária eletrônica digital e a identificação do número de telefone de quem liga para você -que, juntas, acabaram com a tirania do telefone tocando- me parecem ser duas das invenções realmente importantes do final do século 20.

E como amo meu BlackBerry, que me permite responder a e-mails longos e indesejados com algumas linhas telegráficas ofegantes pelas quais, mesmo assim, o destinatário é obrigado a sentir-se grato, já que as escrevi com meus polegares. A privacidade, para mim, não quer dizer manter minha vida pessoal escondida de outras pessoas.

Os avanços tecnológicos com os quais tenho problema são os insultos que continuam a insultar, as dores do passado que continuam a provocar dor.

A TV dos aeroportos, por exemplo: parece que é assistida ativamente por não mais que 1 viajante em cada 10 (a não ser que estejam exibindo futebol), mas incomoda ativamente os outros nove.Ano após ano, em um aeroporto após o outro, ela é responsável por uma diminuição pequena, mas aparentemente permanente, na qualidade de vida do viajante médio.

Outro exemplo: a obsolescência planejada de grandes softwares e sua substituição por softwares ruins. Ainda não me conformo com o fato de que o melhor processador de texto já escrito, o WordPerfect 5.0 para DOS, não funcione mais em nenhum computador que eu possa comprar hoje.Mas essas são apenas irritações menores.

O avanço tecnológico que causou danos duradouros de importância social real -e que, apesar de continuar a fazê-lo, faz você correr o risco de ser ridicularizado se se queixar dele publicamente hoje- é o telefone celular.
Imposição pessoal
E não existe declaração de mais alto calibre que "eu te amo" -não há nada pior que um indivíduo possa impor a um espaço público comum. Mesmo "vá à merda, imbecil!" é menos invasivo, na medida em que é o tipo de coisa que pessoas iradas às vezes gritam em público e que pode igualmente bem ser dirigido a um estranho.

fonte:folha de são paulo-caderno Mais.

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