domingo, 23 de novembro de 2008

... é a mãe!

O psicólogo cognitivo americano Steven Pinker discute o uso de palavrões no rádio e na TV e a reação da censura

Uma palavra é um rótulo arbitrário -essa é a base da lingüística. Mas muita gente não pensa assim. Acredita na magia das palavras: que pronunciar um encantamento, uma maldição ou uma oração pode mudar o mundo. Não caçoe: você diria "nada deu errado até agora" sem procurar um objeto de madeira para bater?

Xingar é outro tipo de magia das palavras.
Contrariando a lógica, as pessoas acreditam que certas palavras podem corromper a ordem moral -que "mijar", "cagar" e "foder" são perigosas de uma maneira que "xixi", "cocô" e "trepar" não são.

Essa peculiaridade em nossa psicologia está na capacidade das palavras tabus de ativar circuitos emocionais primitivos no cérebro.

Meu interesse pelos palavrões é científico (juro!). Mas os xingamentos não são apenas um quebra-cabeça na neurociência cognitiva. Eles aparecem nos mais famosos casos de liberdade de expressão do último século, de "Ulisses" e "Lady Chatterley" a Lenny Bruce e George Carlin [comediantes].

O raciocínio, baseado em noções antiquadas da infância e da mídia moderna, foi que os programas transmitidos pelo ar se intrometem sem convite no lar e podem expor as crianças à linguagem indecente, prejudicando seu desenvolvimento psicológico e moral.

Na prática, a FCC (Comissão Federal de Comunicações ) reconheceu que o impacto das palavras tabus depende de seu contexto. Assim, em 2003, quando Bono, vocalista do U2, disse, em um discurso de premiação na TV, "isto é realmente, realmente, "fucking brilliant'" [algo como "brilhante de foder"], a FCC não puniu a rede.

Intenção
Bono, ela comentou, não usou "fucking" para "descrever órgãos ou atividades sexuais ou excretórias". Ele a usou como "um adjetivo ou expletivo para enfatizar uma exclamação".Esse uso diferia do número "patentemente ofensivo" de Carlin, com seu "uso repetido, pelo valor de chocar", das palavras tabus. Mas os comissários indicados por Bush deram meia-volta no caso e posteriormente visaram a rede de televisão Fox, depois que ela transmitiu cerimônias de premiação em que Cher disse, sobre seus críticos, "então, fodam-se" e Nicole Richie perguntou "por que eles a chamam de "The Simple Life'? Você já tentou tirar bosta de vaca de uma bolsa Prada? Não é tão "fucking simple'".

Em 2007, depois que um tribunal federal invalidou a política da FCC como "arbitrária" e "impulsiva", a comissão apelou para a Suprema Corte. Foi quando eu fui arrastado para a coisa. A FCC alegou que "mesmo quando o orador não pretende um sentido sexual, uma parte substancial da comunidade (...) entenderá a palavra como carregada de conotação sexual ofensiva".Uma denúncia apresentada no início deste ano pelo procurador-geral em defesa da posição da comissão citou meu livro "Do Que É Feito o Pensamento" [Cia. das Letras] da seguinte maneira: "Se você é um falante de inglês, não pode ouvir [uma palavra como a iniciada por efe] sem lembrar do que ela significa para uma comunidade implícita de falantes, incluindo as emoções ligadas a elas".

Na verdade, as palavras destacadas na denúncia eram "nigger" [preto], "cunt" [boceta] e "fucking" [foder], e o contexto era uma explicação de por que as pessoas se ofendem "quando um estrangeiro se refere a um afro-americano como "nigger", ou a uma mulher como uma "cunt" ou a uma pessoa judia como um "fucking jew'".

Eu certamente não estava afirmando que, quando os ouvintes escutam "não é tão "fucking simple'", suas mentes pensam em cópulas! Ao contrário, eu comentava que, com o tempo, as palavras tabus perdem seu sentido literal e retêm apenas um colorido emocional e, depois, apenas a capacidade de chamar a atenção. Essa progressão explica por que muitos falantes não têm consciência de que "sucker", "sucks", "bites" e "blows" [chupador, chupa, morde e sopra, usados informalmente como formas de desqualificar] geralmente se referem à felação, ou que um "jerk" [usado como "idiota"] era um masturbador.Isso explica por que "Close the fucking door" [Feche a porra da porta], "What the fuck?" [Que porra é isso?], "Holy Fuck!" [Caramba!] e "Fuck you!" [Foda-se] violam todas as regras da sintaxe e da semântica inglesa. Elas supostamente substituíram "Close the damned door" [Feche a maldita porta], "What in Hell?" [Que diabos?], "Holy Mary!" [Ave Maria!] e "Damn you!" [Dane-se] quando a profanidade religiosa perdeu a força e novas palavras tiveram de ser recrutadas para acordar os interlocutores.

Mercado da língua

A FCC tinha razão sobre eu pensar que os tabus lingüísticos nem sempre são ruins. O discurso salpicado de "fuck" fica entediante, e epítetos maliciosos podem expressar atitudes condenáveis.
Mas, em uma sociedade livre, esses incômodos são naturalmente regulados no mercado das reações das pessoas -como Don Imus, Michael Richards e Ann Coulter [radialista, comediante e analista política que causaram polêmica por seus comentários, respectivamente, sexista, racista e religioso] recentemente ficaram sabendo da maneira mais difícil.

Não está claro por que xingar nas ondas do rádio e da TV deva ser assunto para o governo.
De fato, já que a linguagem é entremeada com o pensamento -o tema principal do livro citado pelo procurador-geral-, qualquer proibição a palavras levará a absurdos. Veja o monólogo de Carlin. Ele mencionou a palavra "fuck" não para descrever atividades sexuais, nem para chocar sua platéia.

Sem regulação Carlin a citou para mostrar como as pessoas usam palavras tabus e para propor a discussão de que o governo não deve regulá-las. A decisão que controlou sua linguagem restringiu a crítica pública à própria decisão -zombando dos próprios princípios da liberdade de expressão.
E considere o comunicado de imprensa emitido pelo presidente da FCC, Kevin Martin, expressando seu desprazer quando sua decisão foi derrubada: "Hoje [o tribunal] disse que o uso das palavras "fuck" e "shit" por Cher e Nicole Richie não foi indecente. (...) Eu acho difícil acreditar que o Tribunal de Nova York diria às famílias americanas que "shit" e "fuck" podem ser ditas ao vivo na televisão nos horários em que as crianças provavelmente estão assistindo".
Em algum lugar, George Carlin continua sorrindo

STEVEN PINKER é professor de psicologia na Universidade Harvard (EUA) e autor de "O Instinto da Linguagem" (ed. Martins Fontes). Este texto foi publicado na "Atlantic Monthly".

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